O CACR11 (Cartesia Recebíveis Imobiliários) acaba de protagonizar o que muitos analistas já previam: a validação oficial de problemas estruturais em sua carteira. Em 19 de setembro de 2025, o Banco Daycoval, administrador do fundo, divulgou fato relevante reprecificando quatro CRIs que representam 38% do patrimônio líquido, uma queda brutal de R$ 61 milhões que derruba o valor patrimonial de R$ 93,67 para aproximadamente R$ 76,58 por cota.
Não é exagero dizer: quando o administrador remarca ativos dessa magnitude, ele está validando tudo que vinha sendo questionado sobre o fundo nos últimos meses.
Os números que não fecham
A reprecificação atinge em cheio os CRIs mais problemáticos da carteira:
| CRI | Exposição Anterior | Nova Avaliação |
|---|---|---|
| Santo André | R$ 87.000.000 | R$ 73.000.000 |
| Itaparica | R$ 75.000.000 | R$ 59.000.000 |
| Savoie | R$ 45.000.000 | R$ 37.000.000 |
| Real Park | R$ 28.000.000 | R$ 23.000.000 |
Chama atenção que Santo André e Itaparica sozinhos representavam 38% do patrimônio líquido, uma concentração que qualquer investidor experiente reconhece como bandeira vermelha. Quando o administrador corta 16% do valor desses ativos, ele não está fazendo ajuste técnico: está admitindo que os riscos são reais.
A contradição entre gestora e administrador
Aqui mora o problema mais grave. Em 5 de setembro de 2025, a Cartesia Capital divulgou comunicado ao mercado afirmando categoricamente que "as garantias de todos os ativos do CACR11 estão devidamente formalizadas e registradas nos cartórios competentes". Dois meses depois, o administrador remarca R$ 61 milhões para baixo.
Alguém está em falha. E o mercado já escolheu em quem acreditar. A cotação de R$ 75,05 (dados de 25 de outubro de 2025) praticamente equipara o fundo ao novo valor patrimonial, eliminando qualquer margem de segurança que existia quando o P/VP estava em 0,80.
Para cotistas que acompanham o CACR11 há três anos, esta reprecificação representa um ponto de virada definitivo. O desconto que parecia oportunidade revelou-se reflexo de riscos concretos.
O laudo da Binswanger: defesa ou evidência?
Em resposta à reprecificação do Daycoval, a Cartesia contratou a Binswanger Brasil para avaliar os terrenos dos empreendimentos questionados. Os números apresentados no relatório gerencial de setembro são, no mínimo, curiosos:
| Empreendimento | VGV Projetado | Avaliação Terreno | Saldo Devedor CRI |
|---|---|---|---|
| Santo André | R$ 625.280.000 | R$ 155.060.000 | R$ 103.498.024 |
| Itaparica | R$ 461.484.000 | R$ 87.022.000 | R$ 97.076.295 |
| Savoie | R$ 89.074.000 | R$ 18.790.000 | R$ 55.039.914 |
| Real Park | R$ 59.828.000 | R$ 10.864.000 | R$ 34.331.273 |
Vamos traduzir isso: o Savoie tem um terreno avaliado em R$ 18,8 milhões, mas já carrega dívida de R$ 55 milhões, quase 3x o valor do terreno. O empreendimento está em fase de demolição, sem vendas iniciadas, e já consumiu essa montanha de recursos.
Como um projeto que ainda não saiu do papel consegue pagar PMT (parcela mensal de juros e amortização)? A resposta: com o próprio dinheiro emprestado, num ciclo que qualquer analista reconhece como insustentável.
A estratégia de desembolso que preocupa
Diferente de fundos como FYTO11 e HABT11, que liberam recursos conforme evolução de obras, o CACR11 adotou modelo de "financiamento integral", liberando todo o dinheiro logo no início dos projetos. A justificativa oficial: "assegurar a totalidade dos recursos necessários para a conclusão do projeto".
Na prática, isso significa exposição máxima desde o dia zero, sem a proteção que tranches condicionadas à evolução de obra proporcionam. Tente você conseguir financiamento na Caixa para construção e liberar todo o dinheiro antes de começar a obra. Não vai conseguir, e há boas razões para isso.
O Real Park ilustra perfeitamente o problema: terreno de R$ 10,9 milhões, obra com apenas 2,68% de evolução, e saldo devedor de R$ 34,3 milhões. São R$ 23,4 milhões liberados para um projeto que mal saiu do papel.
O padrão que se repete
Quem acompanha o mercado de FIIs há alguns anos reconhece esse movimento. HCTR11, URCA11, e agora CACR11 seguem roteiro similar:
- Pagam dividendos generosos inicialmente (R$ 1,33/cota em setembro)
- Emitem cotas continuamente para financiar novos CRIs
- Quando as emissões cessam, os problemas estruturais aparecem
- A reprecificação valida o que o mercado já precificava no desconto
O CACR11 distribuiu R$ 16,18 nos últimos 12 meses (dividend yield de 21,15% sobre R$ 76,50), mas esse rendimento vinha sendo sustentado por emissões que totalizaram 6 ofertas desde a criação do fundo. A quinta emissão já apresentava TIR anual de apenas 2,12%, sinal claro de dificuldade em originar bons ativos.
A posição vendida que antecipou o problema
Não por acaso, as posições vendidas (short) no CACR11 explodiram de 825 cotas em 13 de agosto para 220.000 cotas em setembro, aumento de 26.000%. Esse movimento especulativo, que a gestora atribui a "ataques coordenados", na verdade refletia análise fria dos riscos.
Investidores institucionais saíram do fundo antes da reprecificação. Difícil não ver nessa sincronia uma leitura antecipada dos problemas que o administrador acabou validando.
O contexto macroeconômico agrava o cenário
Com a Selic a 15% em outubro de 2025, o custo de oportunidade de manter recursos em FIIs de papel aumentou drasticamente. CRIs pagando IPCA + 12,68% a.a. competem diretamente com Tesouro IPCA+ 2045 oferecendo taxas próximas sem o risco de crédito de incorporadoras regionais.
O desconto dos FIIs em relação ao valor patrimonial se aprofundou justamente nesse período de alta de juros, momento em que a Cartesia afirma ter aproveitado "janela de oportunidade" para reestruturar ativos. O mercado, claramente, discorda dessa narrativa.
O que vem pela frente
A gestora mantém guidance de R$ 1,30 a R$ 1,40 por cota para o segundo semestre de 2025, mas admite que "waivers para não ocorrência de amortizações são corriqueiros e parte da estratégia de gestão dos dividendos". Traduzindo: os CRIs não estão gerando caixa suficiente para pagar as PMTs previstas.
O IPCA acruado (não-caixa) já soma R$ 4,3 milhões ou R$ 0,89 por cota, correção monetária que só será recebida na liquidação dos CRIs ou em vendas no mercado secundário. Com a reprecificação validando problemas estruturais, essas saídas ficam cada vez mais distantes.
O que fica para os investidores
O caso CACR11 reforça lição que o mercado de FIIs vem ensinando repetidamente: concentração mata. Fundos com 38% do PL em dois ativos não têm margem de erro. Quando o administrador valida que esses ativos valem 16% menos, o impacto é devastador.
A base de 25.153 cotistas (+86% em 24 meses) construída durante o período de dividendos generosos agora enfrenta a realidade: rendimentos sustentados por emissões não são sustentáveis quando as emissões param.
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